Cansados estavam já os reis magos quando chegaram a Alferrarede. Tinham ido prestar vassalagem a um puto lá prós lados de Jerusalém, e, como facilmente se imagina quando resolveram chegar a Alferrarede já eram mais reis magros que magos …

Foi nessa altura que olharam com ar de paspalhos para o Jesus e, por breves instantes, tiveram uma hesitação. Será que o raio da estrela nos induziu em erro ? … O Baltazar, que tinha a mania que sabia tudo, resolveu por bem dizer que o salvador do mundo deveria ser tudo mais que fosse, mas português é que nem pensar.

Claro que a ti Etelvina nunca se revolta muito e de tão babosa que estava com o nascimento do pequerrucho, nem quis contrariar o Baltazar, mas acabou por dar de comer àqueles malvados dos reis magos quem nem sequer tiveram a cortesia de deixar uns pózinhos de ouro ao filhote …

Mas a dúvida ficou sempre … Pelo menos até aos 33 … Pois cedo se percebeu que o Natalino tinha bichos carpinteiros e nunca parava sossegado.

Aos dois anos, a família lá resolveu emigrar de Alferrarede para Lisboa, o que por outras palavras quer dizer eu o pequeno Jesus foi pregar para outra freguesia.

Com um estalo da esquerda e mais um puxão de orelhas da direita, dados com muito amor e carinho, claro está, o Natalino lá foi indo a caminho da escola.

Como na vida nem todos os Jesuzes fazem milagres, aos quatorze anos lá ouviu dizer que quem trabalhava podia fazer greve e então lá resolveu ir fazer pela vida.

Foi trabalhar, como "paquete", para o então Ministério do Ultramar, que mais tarde se tornaria no Ministério da Cooperação. Abrilices …

Tinha o pivete uns quize aninhos, ainda não sabia servir-se da gilette, já ele andava pela Alameda, de braço no ar, a cantar o Avante Camarada Avante … et foi de Comício em palestra que, por volta dos seus dezassete anos, começou a andar de roda da Isabel a cantar-lhe o Unidos Venceremos …

Ela foi na conversa, e uns anos mais tarde - depois de uma beijocas e umas promessas para cumprir um dia quando houvesse tempo e dinheiro velho -, lá resolveram, com montes de corações nos olhos a saltar por todo o lado, juntar os tarecos e os trapinhos. Tinha o homem um quarto de século bem medido.

Funcionário no Ministério da Integração Europeia, o rapagão já tinha 28 anos bem aviados, nasceu aquela que viria a ser a Nezu, uma futura arquitecta de inegável talento, mas que na altura mais não passava da chatinha da Inês.

Em 1987, resolveu dedicar a sua vida à Europa. Tal um sacerdócio. Já lá vão 21 anos …

Foi nessa altura que o conheci. Eramos então rapazes novos e cheios de visão no futuro. Eu trabalhava como "faz tudo" e “tapa buracos” e ele era o "moço dos arquivos" …

Cinco anos depois e já com carro próprio, apareceu o puto José Pedro, que hoje é um latagão que toca piano e faz concorrência ao Eric Clapton.


Trabalhámos alguns anos juntos no Gabinet do Comissário Cardoso e Cunha. Depois eu fui para os serviços da Comissão e o Natalino continuou a oferecer a sua experiência e conhecimentos aos diversos Comissários portugueses, João de Deus Pinheiro, António Vitorino e ao actual presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso.

Ao longo de todos estes anos orgulho-me de ser seu amigo e estimo-o como se fosse da minha família.

Que dizer a um amigo ímpar, a um pai exemplar e a um homem íntegro ? ….

Dizer-lhe simplesmente que eu (e estou convicto que centenas de outros que o conhecem e tiveram ocasião de trabalhar de longe ou de perto com ele) lhe desejo do fundo do coração um feliz e bem festejado primeiro meio século de existência. Sim, que o gajo é teimoso e não vai querer ficar por aqui …